5 de maio de 2011

Poesia barata! Literalmente.



Caros amigos,


*Obras disponíveis na versão impressa.


11 de janeiro de 2011

Estiagem



Não posso mais fazer amor em branco e preto.
A alegria me limita o verso.


17 de dezembro de 2010

Pândego breu



Todos os sonhos nas ruas,
e os bêbados, putas, comuas.

E a minha cabeça nas ruas,
e os planos e postes e gruas.

E o quebra-cabeça das ruas,
e a fonte, e a morte, e as duas.

E o meu desengano nas ruas,
e a fome, e as luas.

E o mar de fumaça e asfalto,
e a carne, é nua.

E na leve desgraça das ruas,
jejuas, jejuas,

porque a doce carcaça dos porcos
dói menos que a sua.


Sátira póstuma



Pela pele tímida
varre o vento ártico,
cai o canto cítrico,
voa o véu apático.

Pende para o gótico,
pede pelo sádico,
roga em riso súbito
teu manto despótico.

Reza o rito bíblico,
bebe o berço báltico.
Goza o gosto cáustico
desse amor empírico.

Canta o canto lúdico,
Sente o sono láudano.
Vela o vinho pútrido,
reles e roto súdito,
deus, dragão, impávido.


Decúbito dorsal



Todo tempo cabe nesse quarto.
E tanta coisa cabe em minha alma
seca, envelhecida no tonel da calma,
servida crua no banquete farto.

Que minha alma seja então o parto,
ou seja a faca que atravessa o ventre, cega,
por cuja força o músculo entrega
o que se espera de uma alma prenhe.

E dentre tantas, minha alma fora
daquele corpo lúgubre, refarto,
ambiciando descansar agora
que todo tempo cabe nesse quarto.


9 de dezembro de 2010

Céu de dezembro



Quando a chuva traz o cheiro dela,
já não há mais tato.
É tudo olfato e saudade.
É tudo um tanto de vontade
escorrendo das mãos
que já não têm mais tato.
Porque é tudo olfato e saudade,
quando a chuva traz o cheiro dela.


Quarto andar



Do alto vejo o caminhar dos velhos.
Calmos a carregar os anos.
Mirando as esquinas, colhendo memórias.
E o sorriso fraterno que estampam na face
consome a loucura dos dias de sol.
Sejamos como velhos vistos do alto.
Sejamos, apenas.


16 de novembro de 2010

Epitáfio chantagista



Pela faca que na carne cabe,
minha íntima verdade é crua.
E antes que isso tudo acabe,
ainda saberão da sua.


Ensaio do simples



Eis a graça de sofrer sozinho:
Não se ocupa o coração alheio
nem se incomoda o silêncio vizinho.


Procedência



Quanta poesia barata!
Quanta necessidade...
Quanto tempo ainda temos
até acharem amor de verdade?


Ábaco

Longe da verdade
que o tempo alimentou
Perto da saudade
onde tudo começou.

Diante da distância
navegada pela alma,
os olhos se ocupam
de contar o que sobrou.

Tempo de te ver



Vejo as horas no relógio ao longe.
É quase tempo de ter ver e minha alma ri.
Nada é tão claro que me leve os olhos,
que me lave a vontade de agora.
E é certo como o peso da virtude,
é certeiro como o gosto do pecado.
É viver e morrer no silêncio das horas
que mesmo no relógio ao longe
não me deixam ficar do seu lado.


6 de novembro de 2010

Volúvel sabor



A felicidade é um buraco raso,
coberto de sol,
cavado a mão.

Fica doze horas cheio,
outras doze horas
não.


Poema mudo



A bem da verdade os corações têm pressa.
E quando o pudor silencia a garganta,
as vozes escondem
o que o corpo confessa.


3 de novembro de 2010

E ponto



Que vida é essa que não se assenta?
Que não se acalma, não se contenta?
Que vida é essa em que nos é dado
olhar pra frente e ver o próprio rabo.
Pagar o preço de sete pecados,
e tantos outros mais?
Essa, meu amigo,
é a vida que tens.


A busca



No tempo que sobra antes do delírio.
Na paz que repousa dentro do martírio.
Procuraram em todos os cantos.
Procuraram tanto que não me assusta
se algum dia acabarem achando.


Embaralhado



Os mortos propagam silêncio.
Os vivos propagam o tédio.
O óbvio desafia o senso e eu,
que nada propago,
sou mais um dois
de paus em
pedaços.


Meio-minha meia-lua



Impávida, transcendente, silenciosa
como um corte lento e linear.
Eis que ascendeu ao céu mais alto,
vagarosa e prepotente,
derramando o tom da tarde.
E de nada adiantou.


O engano de Hobbes



O mundo já não é mais meu.
Agora, o nada que sobrou do mundo é o que conforta os lobos.
Os novos guerreiam tetas de carne materna.
Os velhos, engolindo a nata que lhes desce a glote,
apenas se abraçam.


25 de outubro de 2010

Jogo de azar



Perdi a letra no vão da vontade.
Como disseram dois milhões de vezes
as vozes violentas nos últimos meses,
o meu inteiro já virou metade.
No vento cítrico e sem piedade,
perdi não só a letra mas também a rima.
Desaprendi o que não se ensina,
e por mentira ou por qualquer verdade,
como quem lembra a carne que já não palpita,
como quem troca o verbo pela santidade,
foi que eu fiquei como já não se fica.
E só perdi porque sou perdedor.
Porque atravesso longe da saudade
e perco os dias a buscar o amor.


16 de agosto de 2010

No início



Havia o tempo e todo o resto.
E do tempo fez-se tudo que coubesse no passado.
Quanto ao resto: que dissesse
outro verso amarrotado.


1 de julho de 2010

Têmpera



Quem sabe agora a dor que me visita o peito
possa renascer em canto, alegria ou pranto.
Derradeiro pulso do maior tormento.

E a nova forma despontar no solo,
apanhar no colo a solidão do tempo.
Me lançar nos olhos todas as cores.

Sentirei então na carne os velhos sabores
de forjar no ferro, no fogo e no vento
o mais breve alento dos longos amores.